Porta-retrato da vida

Foto de Michael MacAuley on Unsplash

Para seguirmos em frente precisamos parar, respeitar, reduzir, reconfigurar, dividir, colaborar e saber organizar em conjunto

Abro a janela e mergulho num silêncio não usual. A cidade imersa num filme em câmera lenta vivendo tempos incertos, com regras restritivas em luta pela sobrevivência. Estico os braços enquanto faço um flashback dos dias que nos trouxeram até aqui.

Foto de Michael MacAuley on Unsplash

Ontem a celeridade era regra e do firmamento ao chão quase tudo era permitido. Tínhamos a sensação que podíamos controlar a maioria das variáveis, ledo engano.

Hoje, acompanhamos a humanidade sendo assolada por uma pandemia que exige prudência, obediência, solidariedade e trabalho estratégico conjunto de todas as nações.

Expostos a um mal que atinge a todos sem distinção, a saúde passou a ser um bem estimável e a vida humana objeto de preservação. Que paradoxo se olharmos para as milhares de mortes registradas sem nenhuma ação eficaz concreta para mitigação de suas causas.

Entretanto, mergulhados nesta catástrofe de abrangência mundial, a luz que se acende indicando a saída deste túnel estão arquivadas nos porta-retratos dos tempos dos nossos avós.

O que chamamos de “isolamento social” nos remete às fotos antigas, nas quais as famílias, numerosas e estruturadas, representavam a base de uma sociedade que cuidava uns dos outros. Quando ter uma casa tinha um sentido maior do que ter quarto com banheiro e móveis planejados. Um tempo em que as varandas tinham cadeiras de balanço e os quintais eram repletos de oportunidades que vão além do gourmet.

Onde nos perdemos de nós? Engatamos uma primeira na vida e aceleramos. Estávamos indo no piloto-automático, sem olharmos para o lado, para o outro e nem para Deus. Nos qualificamos de infalibilidade e superioridade, postamos, printamos, consumimos e acumulamos o suficiente para três gerações, distanciamos uns dos outros sem pensar nas consequências.

E agora para seguirmos em frente precisamos parar, respeitar, reduzir, reconfigurar, dividir, colaborar e saber organizar em conjunto. E claro, reaprender a nos conectarmos com o sagrado.

Sentimos saudades dos parentes enquanto voltamos a cuidar da nossa família pessoalmente. Está suspenso por um tempo a terceirização do cuidado.
Aprendemos novas habilidades, executamos trabalhos que nunca fizemos, colocamos a conversa em dia e encontramos o encanto do outro, no canto do coração.

Sistematicamente lavamos as mãos e a elevamos ao alto buscando forças, as preces que se estendem ao nossos idosos que precisam de zelo redobrados e de tratamento delicado e prioritário.

A tecnologia que nos afastava nas mesas de jantar é uma saída para podermos ver os familiares, vizinhos e amigos isolados.

Em pouco tempo compreendemos coisas óbvias: o outro é importante na equação da vida do planeta, não somos uma ilha e para sobrevivermos neste planeta precisaremos agir juntos. Somente em unidade global teremos chance de conter a propagação e os efeitos danosos do COVID-19 e enfrentarmos os dias que virão.

A regra é: “um por todos e todos por um”. Tendo em mente que se alguém falhar, todos estaremos perdendo.

Façamos destes tempos uma mudança de postura diante da vida. Pensemos na lição maior que podemos tirar. Busquemos em nós a resposta: O que de fato tem valor e vale a pena? Tenho certeza que valerá colocar em um lindo porta-retrato.

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